quinta-feira, 5 de março de 2009

Apolo

Apolo Belvedere, uma das mais célebres representações do deus. Original grego de Leocarés, hoje nos Museus Vaticanos

Apolo, filho de Zeus e Leto, e irmão gémeo de Ártemis, deusa da caça, era um dos mais importantes e multifacetados deuses do Olimpo. Nas mitologias grega, romana e etrusca, Apolo foi identificado como o deus da luz e do sol, da verdade e da profecia, do pastoreio, do tiro com arco, da beleza, da medicina e da cura, da música, da poesia e das artes.

A partir do século III também foi identificado com Hélios, deus do sol, pois era antes o deus da luz, e por paralelismo a sua irmã foi identificada com Diana, a deusa da lua. Mais tarde ainda, foi conhecido principalmente como uma divindade solar.

Sendo o patrono do Oráculo de Delfos, era o deus dos adivinhos e profetas. Sua ligação com a Medicina se fazia pelo seu poder de atrair pragas e a morte súbita, e também através de seu filho Asclépios. Possuindo no mito um rebanho de gado, era o deus dos pastores e defensor dos rebanhos e manadas. Protegia os colonos em terras estrangeiras, liderava as Musas e era o diretor de seu coro. Recebendo de Hermes a lira, firmou sua posição como o deus da Música, e era homenageado com uma forma especial de hino, o peã. Finalmente, Apolo é o deus dos jovens rapazes, ajudando na transição para a idade adulta. Assim, ele é sempre representado como um jovem, frequentemente nu, para simbolizar a pureza e a perfeição.

Apolo representa a harmonia, a moderação, a ordem e a razão, em contraste complementar a Dionísio, o deus do êxtase e da desordem.

Etimologia

Era chamado pelos gregos de Ἀπόλλων (Apóllōn) ou Ἀπέλλων (Apellōn), pelos romanos de Apollo e pelos etruscos de Apulu ou Aplu. A origem do nome Apolo é incerta. Platão o associa a ἀπόλυσις (redimir), ἀπόλουσις (purificação), ἁπλοῦν (simples), ou Ἀει-βάλλων (o que dispara). Plutarco sugere uma relação com ἁπλοῦν (unidade), e Hesíquio de Alexandria com απελλα (assembléia), pelo que o tornava o deus da Política. Walter Burkert sugere que a forma Apellai é afim de Apaliuna, um antigo deus da Anatólia cujo nome significa pai leão ou pai luz [1]. Mais tarde seu nome foi ligado ao verbo απολλυμι (destruir). De Grummond o associou ao deus hitita ou hurrita Aplu, invocado durante as pragas, derivado talvez do babilônio Aplu Enlil, que quer dizer filho de Enlil, epíteto de Nergal, uma outra divindade associada ao deus do sol Shamash da Babilônia [2][3] [4].

O culto


Possivelmente o culto a Apolo chegou ao mar Egeu antes da época arcaica, entre 1100 e 800 a.C., vindo da Anatólia, embora historiadores como Burkert e Hertel reiterem sua origem totalmente grega [5]. Homero o cita protegendo os troianos contra os gregos, sugerindo sua associação com o oriente. Seu poder de atrair ou erradicar pragas o faz similar em atributos ao deus Aplu Enlil (ou Nergal) da Babilônia e o Aplu hurrita, similitude que reforça as etimologias orientais sugeridas.

Sua ligação com a cura advém de sua absorção do antigo deus curador Peã (PA-JA-WO na linear B), da civilização Micênica, citado por Homero [6] e por Hesíodo [7]. As funções curativas do deus Peã estavam ligadas aos cantos de exorcismo, que mais tarde passaram a ser os hinos laudatórios que receberam o mesmo nome, peã, entoados pelos gregos em cultos e, pelos romanos, antes das batalhas, por ser Apolo identificado com as vitórias após ter morto a serpente Píton.

Seu culto já estava firmemente estabelecido antes do começo dos registros escritos na Grécia, e estava tão disseminado que diversas cidades assumiram o nome de Apolônia, e pessoas chamadas de Apolodoro ou Apolônio eram comuns. Seus dois santuários maiores, Delfos e Delos, eram dos mais influentes da antiga Grécia. Também era cultuado de forma importante em Claros e Abas. Outros santuários havia em Dídima, Hierápolis Bambyce, Corinto, Bassae, Patara e Segesta.

Sua árvore sagrada era o loureiro. Crê-se que alguns sacerdotes mastigavam loureiro para dizerem as profecias, outros usavam ramos de loureiro para aspergir o templo na purificação, ou para purificar a água com o fogo. As coroas de louro eram muitas vezes oferecidas a alguém que tinha conseguido algo extraordinário, superando a si mesmo, na procura da arete, o ideal grego simbolizado por este jovem deus. Os animais que lhe estavam associados eram o lobo, o golfinho, o corvo, o cisne, a cigarra, o falcão, a serpente, o rato e o grifo. A lua cheia e a nova lhe pertenciam, e os dias 7º e 20º de cada mês, e seus festivais eram numerosos. Mais tarde fixou-se o dia 22 de janeiro em sua homenagem.

Sua primeira vinculação com os oráculos parece ser originada do desejo dos doentes de saber o prognóstico de seus males. Dois de seus filhos também se tornaram patronos de oráculos: Anfiarão, em Oropos, ao norte de Atenas, e Trofônio, situado em Lebadéia, a leste de Delfos.

Em Roma

Seu culto foi adotado pelos romanos, sendo identificado com Febo, e o Oráculo de Delfos já era consultado pelos italianos desde a época do reinado. No século V a.C. foi estabelecido um templo nos Campos Flamínios, dedicado a Apolo Sosiano [8]. Durante a II Guerra Púnica foram instituídos os Jogos Apolíneos [9], e Augusto se colocou sob sua proteção direta [10], homenageando-o com jogos qüinqüenais, ampliando seu templo e doando-lhe riquezas conquistadas na Batalha de Actium, além de construir-lhe um novo templo no Palatino [11], que se tornou a sede da culminação dos jogos seculares celebrados no ano 17 para comemorar o início de uma nova era [12]

Também teve templos romanos em Termon, em Megalópolis, em Apolônia, Ortígia, Figalia, Corinto e Delos. Seu culto espalhou-se pela maior parte da área de influência do Império Romano, e foi identificado com vários deuses regionais associados à cura, especialmente celtas [13].

Epítetos e títulos de culto

Apolo lício, cópia romana de um original grego do século IV d.C.. Museu do Louvre
Ruínas do Templo de Apolo em Corinto
Ruínas do Templo de Apolo em Delfos

Ruínas do Templo de Apolo em Dídima

Apolo, como outras deidades, tinha diversos títulos, que lhe eram aplicados para refletir a diversidade de seus papéis, obrigações e aspectos.

  • Epítetos gregos
    • Egletes: radiante [14]
    • Lício: Λυκειος, luminoso
    • Acestor: Ακέστωρ, curador [15]
    • Acésio: Ακεσιος, curador
    • Alexikakos: Άλεξίκακος, aquele que afasta a desgraça
    • Apotropeu: aquele que afasta o mal
    • Iatros: Ιατρος, médico
    • Esminteu: Σμινθειος, caçador de ratos
    • Parnópio: Παρνοπιος, salta-montes
    • Aphetoros: deus do arco
    • Argurotoxos: Άργυρότοξος, do arco de prata
    • Hekaergos: Έκάεργος, que atira longe, referindo às suas flechas
    • Hekebolos: Έκηϐόλος, que dispara longe
    • Licio: Λυκιος, matador de lobos, ou Lykegenes, nascido de uma loba ou nascido na Lícia
    • Arcagetes: Αρχηγετης, diretor da fundação, por ser fundador das muralhas de Megara
    • Nomios: vagabundo
    • Loxias: Λοξίας, oblíquo, pelos oráculos ambíguos
    • Musagetes: Μουσαγέτης, chefe das musas
    • Ninfagetes: chefe das ninfas
    • Acrefio: epíteto com que era adorado na cidade Acréfia, supostamente fundada por seu filho Acrefeu
    • Clarios: Κλαριος, do dórico κλαρος, doação de terra, por sua supervisão sobre as cidades e colônias
    • Clario: Κλαριος, pelo santuário que tinha em Claros, Jônia
    • Cíntio: proveniente de seu nascimento no monte Cinto de Delos
    • Cirreu: de Círria, localidade próxima a Delfos
    • Delfínio: Δελφινιος, do útero, que associa Apolo com Delphoi, de Delfos
    • Pítio: Πυθιος, pítico, de Πυθο, nome homérico de Delfos
    • Timbreu: Θυμβριος, pelo templo que tinha em Timbra
  • Epítetos romanos
    • Febo: brilhante
    • Averruncus: aquele que afasta o mal
    • Medicus (médico)
    • Culicarius: o que afasta os mosquitos
    • Articenens: o que leva o arco
    • Coelispex: o que observa o céu
    • Lesquenório: de leschis, porque presidia as assembléias poéticas e musicais e as reuniões das musas
    • Actiaco: epíteto que recebeu em Actium, um de seus principais lugares de culto.
  • Epítetos celtas
    • Atepomarus: grande ginete, ou dono de um grande cavalo. Sob este nome Apolo foi adorado em Mauvrieres (Indre). No mundo celta os cavalos estavam estreitamente relacionados com o sol.[16][17]
    • Belenus: brilhante. Este epíteto se deu a Apolo em zonas da Gália, norte da Itália e na Nórica, atual Áustria. Apolo Belenus era um deus solar e da cura [18][19][20][21]
    • Cunomaglus: senhor dos cães de caça, título dado a Apolo em um altar de Wiltshire. Pode ter sido um deus de cura, e talvez tenha havido um deus anterior, Cunomaglus, também associado à medicina [22]
    • Grannus: originalmente um deus arcaico da cura, mais tarde fundido a Apolo [23][24])
    • Maponus: conhecido graças a inscrições encontradas na Inglaterra, este deus pode ser uma fusão local de Apolo e Maponus
    • Moritasgus: massas de água marinha. Epíteto dado a Apolo em Alesia, onde foi adorado como deus da cura e, possivelmente, dos médicos.[25]
    • Vindonnus: luz clara. Teve um templo em Essarois, perto de Châtillon-sur-Seine. Foi um deus de cura, especialmente dos olhos.
    • Virotutis: benfeitor da humanidade. Foi adorado, entre outros lugares, em Fins d'Annecy e Jublains.

Os mitos

Apolo nasceu de um dos amores adulterinos de Zeus. Quando Hera descobriu a gravidez da rival Leto, proibiu-lhe que desse à luz em terra firme, fosse no continente fosse em qualquer ilha, e colocou em seu encalço a serpente Píton. Perambulando sem destino, Leto acabou por chegar a Delos, uma ilha flutuante criada por Poseidon, compadecido dos seus sofrimentos, e ali deu à luz aos seus gêmeos Apolo e Ártemis. Depois do nascimento, Zeus fixou a ilha no fundo do mar, e mais tarde ela foi consagrada a Apolo.

Outras versões dizem que Hera seqüestrou Ilítia, a deusa dos partos, para impedir o nascimento, mas os outros deuses a aplacaram oferecendo-lhe um colar de âmbar de oito metros de comprimento. Ártemis nasceu antes, e ajudou sua mãe para o parto de Apolo. Com apenas três dias de vida Apolo vingou sua mãe e matou Píton, esfolou-a, e com a sua pele cobriu a trípode das pitonisas.

Seu primeiro amor foi a ninfa Corônis, que lhe deu como filho Asclépio. Tornando-se este um mestre na arte de curar tão poderoso que podia ressuscitar os mortos, ameaçava com isso o poder soberano de Zeus, ultrajava Temis e roubava súditos a Hades, pelo que foi morto pelo raio de Zeus. Para vingar-se, como não podia voltar-se contra seu pai, Apolo matou os Cíclopes, que haviam forjado os raios, e por isso foi castigado. Deveria ter sido desterrado para o Tártaro, mas graças à interferência de sua mãe o castigo foi comutado em um ano de trabalhos forçados como um mortal para o rei Admeto. Sendo bem tratado pelo rei durante sua expiação, Apolo ajudou-o a obter Alceste e a ter uma vida mais longa que a que o destino lhe reservara.

Durante a Guerra de Tróia, Apolo participou ao lado dos troianos, e disseminou a peste entre os gregos em resposta a um insulto de Agamemnon a Crises, um de seus sacerdotes cuja filha Criseida havia sido seqüestrada. Apolo exigiu sua libertação, provocando a ira de Aquiles. Protegeu Enéias quando este foi ferido por Diomedes e ajudou Páris a matar Aquiles, que havia morto Troilo, filho do deus com Hécuba.

Descendência

Além de Asclépio, já citado, com Cirene teve Aristeu, com Hécuba foi pai de Troilo, com Arsínoe teve Eriopis, e amando Creusa gerou Íon. De Calíope gerou Lino e Orfeu; de Dríope gerou Anfiso; de Etusa, Eleutério; de Quíon, Fílamon, e de Manto, Mopso. De mães desconhecidas teve Cicno, Cíniras e Femónoe.

Andrea Appiani: Apolo e Jacinto
Apolo e Dafne, de Bernini

Amantes

Boa parte dos mitos que dizem respeito a Apolo falam dos seus inúmeros amores, sendo os mais famosos Dafne, uma ninfa que rejeitou seu amor e foi transformada em loureiro (daí a sacralidade da árvore para Apolo), Jacinto, que se transformou na flor com o mesmo nome, e Ciparisso, o qual se transformou em cipreste. Nestes mitos amorosos Apolo nunca tem sorte, e conta-se que isto se deve ao facto de ele se gabar de ser o melhor arqueiro entre os deuses, o que fez com que Eros, deus do amor, sentisse inveja. Apolo também amou Leucotéia, Castália, Sínope, Marpessa, Cassandra e Acanta.

Apolo, eterno kouros imberbe, foi o deus grego que manteve as relações homossexuais mais célebres, o que não surpreende, sendo ele o deus da palestra, onde os jovens se reuniam para praticar atletismo. Apolo representava para eles o educador ideal, o erastes [26]. Todos os seus amantes masculinos eram mais jovens que ele, como era o hábito entre os gregos. Muitos destes jovens morreram "acidentalmente", significando que estes mitos simbolizavam ritos de passagem, quando o jovem deveria morrer para renascer como adulto.

Outras histórias

Apolo recebeu a lira de Hermes, que a havia criado com o casco de uma tartaruga e com as tripas do gado que havia roubado de Apolo. Indignado com o furto, Apolo exigiu de Maia, mãe de Hermes, que seu filho devolvesse o rebanho. Enquanto a discussão prosseguia, Hermes começou a tocar a lira, que foi tão admirada por Apolo que a recebeu de presente do irmão, e com isso perdoando-o pela artimanha. Também de Hermes veio a syrinx, trocada pelo caduceu.

Apolo foi o assassino dos filhos de Níobe, vingando a ofensa que esta havia proferido contra sua mãe Leto, gabando-se de ter muitos filhos, enquanto Leto havia tido apenas dois. Algumas versões da lenda contam que alguns filhos foram perdoados. Matou também Anfião, o pai dos jovens, que havia jurado vingança.

Orestes recebeu ordem do Oráculo de Delfos para matar sua mãe, Clitemnestra, e seu amante, Egisto. Mesmo sendo um decreto divino, era um crime contra seu próprio sangue, e por isso Orestes foi duramente atormentado pelas Erínias, até que invocou um julgamento, tendo Apolo como seu advogado, que resultou em um empate. Então Atena pronunciou seu voto favorável, hoje conhecido como voto de Minerva.

Quanto à música, Apolo competiu com Cíniras, seu filho, que perdeu e cometeu por isso o suicídio. Competiu também com o sátiro Mársias, que ao perder foi esfolado vivo para punir sua hubris, e com , quando foi juiz o rei Midas. Dando Pã como vencedor, foi punido pelo deus do sol e da música, que lhe deu orelhas de burro.

Matou os Aloídas quando tentaram atacar o Olimpo, e transformou Cefiso em um monstro marinho.

Representações na arte

A imensa maioria de estátuas e pinturas de Apolo o mostram um homem jovem, no auge de sua força e beleza. Muitas vezes está nu, ou veste um manto. Pode trazer uma coroa de louros na cabeça, o arco e flechas, ou uma cítara ou lira nas mãos, ou estar apoiado contra uma árvore. Às vezes a serpente Píton também é representada, ou algum outro de seus animais simbólicos, como o grifo e o corvo. Nas pinturas e mosaicos pode ter uma coroa de raios de luz ou uma auréola.

Foi retratado inúmeras vezes ao longo da história. Das estátuas antigas talvez a mais célebre seja o Apolo Belvedere, de Leocarés. Depois do Renascimento, quando a cultura grega voltou a ser prestigiada, Apolo tornou-se novamente tema comum nas artes plásticas, na música, na literatura e na poesia. O rei francês Luís XIV o tomou como modelo de sua própria glória, e imagens de Apolo e do sol abundam em Versalhes e no Louvre. Até mesmo no século XX tem sido motivo de inspiração para os artistas, destacando-se a obra musical Apollon Musagète, de Igor Stravinsky.

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